sábado, 27 de novembro de 2010

Quartoze definições para Clássicos segundo Ítalo Calvino


1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou relendo...” e nunca "Estou lendo...”

(... não vale para a juventude, idade em que o encontro com o mundo e com os clássicos como parte do mundo vale exatamente enquanto primeiro encontro.)

Então, outra definição...

2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.

(... as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: "todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude. Relendo o livro na idade madura, acontece reencontrar aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havíamos esquecido.)

Sendo assim...

3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

(Por isso, deveria existir um tempo na vida adulta dedicado a revisitar as leituras mais importantes da juventude.)

Dessa forma...

4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.

5. Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.

6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.

7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).

(A leitura de um clássico deve oferecer-nos alguma surpresa em relação à imagem que dele tínhamos... E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação)

8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente “as repele para longe.

9. Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.

(Naturalmente isso ocorre quando um clássico (...) estabelece uma relação pessoal com quem o lê.)  

Então...

10. Chama-se de clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.

(Mas um clássico pode estabelecer uma relação igualmente forte de oposição, de antítese)

Portanto...

11. O  "seu" clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.

("Por que ler os clássicos em vez de concentrar-nos em leituras que nos façam entender mais a fundo o nosso tempo?" e "Onde encontrar o tempo e a comodidade da mente para ler clássicos, esmagados que somos pela avalanche de papel impresso da atualidade?")

12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia 

 13. É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.

14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.


Enfim...

A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos.
 
 Fonte: Por que ler os clássicos - Ítalo Calvino  (Tradução de Nelson Moulin) Companhia das letras, 2007.

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